domingo, 24 de fevereiro de 2013

0 O poço



Quando eu despertei estava no fundo de um poço.
Minha última lembrança foi uma pancada forte e nada mais. Uma lama grossa e quase seca amorteceu minha queda e frustrou o desejo de quem queria me silenciar. Tentei depois do choque emocional me situar e encontrar um modo de sair dali. O fedor era insuportável e a lama mais parecia um bicho morto.
Devagar tentei acertar meu dorso, tirando uma das mãos que estavam enterradas na lama devido à queda. Foi então que senti uma coisa pulsando, como um animal vivo; respirando forte. Imaginei ser um sapo ou um rato, mas me enganei.
Era mais quente que um sapo e mais liso que um rato. Custei a acreditar que era aquilo mesmo; peguei na mão e o levei contra um pequeno faixo de luz que descia até o fundo do poço. Era exatamente o que eu não queria acreditar que fosse: Um coração humano!
 Um longo tempo se passou e eu então entendi por que me atiraram ali, com meus sonhos, alegrias e certezas. Era uma clássica queima de arquivos espiritual. Mas permanecia sem resposta o por quê eu fiquei vivo e o quê corações humanos faziam ali, pulsando. O faixo de luz começou a se movimentar rápido pelas paredes do poço, me indicando que a noite era próxima. E eu ainda não havia encontrado um modo de sair dali. Ao longe ouvi os últimos cantos de passarinhos. Já era quase noite e a primavera estava em seu fim.
 Cansado, com fome e com frio, mal percebi o sono que caiu sobre mim. Então não sei se estava dormindo ou não, mas uma voz me acordou. Era de alguém que falava comigo da boca do poço. Alguém que sabia que eu estava ali; alguém que se aproveitou da noite por que queria guardar seu anonimato e alguém, que pela voz, tinha intenções amistosas.
 – Eu vou lhe tirar daí. Mas Eu precisava que você conhecesse esse lugar! Disse Ele de um modo muito confiante.
Soava-me familiar a voz, mas quando você está no fundo de um poço, qualquer voz soa familiar.
– Quem está falando?
– Não lembra mais de mim? Que falta de elegância, quem anda após mim, reconhece a minha voz!
– Desculpe, mas você vai ficar aí, citando versículos? Por que não me ajuda a sair logo daqui. Depois de me tirar daqui, poderá me citar a Bíblia toda! Saiu assim com certo tom de aporrinhação. Então ele fez aquele silêncio que separa a eternidade e depois disse: – Ney Gomes, Eu SOU a Bíblia; O princípio e o fim; SOU todas as coisas; A vida e a morte; Sou Jesus de Nazaré! Como eu já estava na lama mesmo, o que fiz foi só me calar.
 – O que esse lugar representa? Perguntei.
– Ele é o abandono de toda verdade, amor e ética. É a consolidação de um pacto frio e diabólico, de homens que foram vencidos pelo amor ao dinheiro. São cativos das benesses do poder. Amantes dos primeiros lugares; da adulação incessante; servos das facilidades de títulos. Nesse poço eles lançam tudo o que precisam esquecer. O cuidado com as ovelhas; o zelo pela verdade; a pureza da doutrina; a grandeza da comunhão! Eles lançam aqui tudo o que possa comprovar a morte daquilo que deveria estar vivo. Esse tudo, ora são coisas, ora são pessoas! Gente que não tem a mesma sorte que você, de sobreviver à queda, a escuridão, ao esquecimento e a difamação. De tempos em tempos, preservo a vida de alguns homens, para que eles possam testemunhar da existência desse lugar e dessa sociedade negra que deseja se passar por gente de bem e de boa fama. Para fins semelhantes a esse, preservei José, Moisés, Davi, Elias, Mardoqueu, Daniel, Jeremias, Ester, e mais outros. É nesse lugar que os homens jogam tudo aquilo que os possibilita matar sem piedade, trair sem remorso e mentir sem culpa. Nesse poço os homens encontram a besta fera que vão encarnar. A ganância que lhes permitirá passar por cima de tudo e todos. A coragem para destruir sonhos e desejos alheios; para fazer os homens odiarem a Minha imagem e Meus propósitos! Eu vou tirar você daí agora, mas preciso que você também deixe uma coisa nesse poço, para lembrar que você conheceu esse lugar.
– Mas Senhor, se esse depósito faz essa negridão toda no interior dos homens, o que eu poderia deixar aqui, que faria de mim uma pessoa melhor?
– Preciso que você sai daí sem a sua escuridão. Esse nojo que você lançou no lugar errado. Quando os homens jogam aqui seu coração, fazem aquilo que lhes é próprio. Eles já são maus, e querem apenas viver sem sentir essa culpa. Então aproveite que você conheceu esse lugar e deixe aí toda a escuridão que você guarda em seu coração.
– Mas Senhor, em tempo algum, eu jamais me assemelhei a esses homens. Com que escuridão eu poderia entrar nessa sociedade? Que negrume eu poderia deixar aqui e abandonar de vez?
– Deixe aqui todas as suas memórias de tesoureiro dos anos de 2000 e...!
            Se quiser saber dos nomes e anos, desça ao poço... se puder!

Escrito por Ney Gomes
http://www.portalebd.org.br/atualidades/reflexoes/item/1624-o-po%C3%A7o


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