Postarei para a edificação do
povo de Deus uma série de cinco estudos bíblicos sobre o risco do calvinismo
exacerbado, no que concerne a soteriologia bíblica. Claro que não concordo com
Armínio em 100% nem com Calvino na mesma proporção, mas acredito que a
interpretação arminiana no que concerne a salvação, eleição, predestinação e
depravação total da raça humana é mais bíblica e aceitável do que a calvinista.
Apreciem
essa série e tirem suas conclusões. Esse estudo não é de minha autoria, por
isso estou citando as devidas fontes, como sinal de respeito aos autores.
João Augusto de
Oliveira
O
Calvinismo desloca Deus da nossa experiência Dele
Na
parte 2 desta série vimos que o Calvinismo afirma essencialmente que o caráter
de Deus tem dois lados, um lado que tem prazer em mostrar misericórdia e um
lado que se deleita em punir o pecado. Ambos os lados devem ser manifestados.
Ao redimir os eleitos, o amor e a misericórdia de Deus são demonstrados. Mas
para que a ira do Pai seja completamente apaziguada e esqueçamos o quanto Ele
odeia o pecado, Ele precisa ter um outro grupo sobre o qual Seu ódio pelo
pecado possa ser expresso.
O
nosso post anterior olhou para os problemas teológicos dessa ideia. Neste post
eu gostaria de olhar para os problemas existenciais que surgem a partir dela,
os quais eu mesmo experimentei como um calvinista.
Descobri
progressivamente que era impossível ter um relacionamento com o Deus do
Calvinismo, ou pelo menos ter uma relação positiva com um Deus assim. Eu sempre
me senti como o escritor grego Xenofonte, o qual registrou que havia sido
socorrido por Zeus em sua autoridade de deus da segurança e rei dos deuses,
mas, tinha então caído em desgraça com Zeus na sua qualidade de deus da
propiciação. Da mesma forma, o Calvinismo ensina que Deus tem dois conjuntos de
atributos independentes, os quais devem ser ambos expressos, a fim de que Deus
possa ser completamente Ele mesmo – atributos que são a antítese um
do outro. Nossa tarefa é, presumivelmente, estar daquele lado de Deus que
precisa expressar amor e, então, ser gratos por não sermos um alvo do outro
lado de Deus, aquele que precisa expressar seu ódio ao pecado, assim como
Xenofonte tinha que chegar do lado de Zeus como deus da segurança, e não como
deus da propiciação.
Ora,
estes são os problemas existenciais que me confrontaram: eu posso seguir a maré
e adorar um Deus assim e posso tentar estar sob o olhar de Seu lado bom; e
posso reconhecer que, embora dê a impressão de que Ele deve ser bom, visto que
palavras como bondade, justiça e amor não têm nenhum significado aparte de Deus
como o padrão último, todavia, em nível experiencial, eu não sei como amar um
Deus assim ou sentir outra coisa senão horror ao contemplá-Lo. Isso não faz de
tal ideia falsa (que talvez Deus realmente seja assim), mas fez com que ela se
tornasse existencialmente problemática para mim.
A
distinção entre as vontades prescritiva e decretiva de Deus (que Calvino herdou
de teólogos católicos medievais tardios) é fundamental para qualquer discussão
de tais assuntos. Vontade prescritiva de Deus é o que Deus ordena [prescreve],
enquanto que a vontade decretiva de Deus é o que Ele faz faz acontecer. Assim,
no que diz respeito à vontade prescritiva de Deus, Ele não quer que ninguém
cometa adultério; mas no que diz respeito à Sua vontade decretiva, todos os
dias Ele deseja que milhares de pessoas sejam infiéis a seus cônjuges.
Alguns
calvinistas vão além ao afirmar que a vontade prescritiva de Deus inclui aquilo
que Deus quer que aconteça, enquanto que Sua vontade decretiva inclui muitas
coisas que Deus não quer que aconteçam, embora Ele ainda as deseje. Outros
calvinistas dirão que Deus nem mesmo quer que sua vontade prescritiva aconteça,
embora Ele use uma linguagem nas Escrituras que sugere o contrário.
A
vontade decretiva de Deus é as vezes referida como a “vontade secreta” de Deus.
Mas é enganoso chamar a vontade decretiva de Deus de “secreta”, visto que os
calvinistas afirmam saber muito sobre ela. Por exemplo, eles afirmam saber que
tudo o que já aconteceu na história da humanidade aconteceu por causa da
vontade decretiva de Deus.
A
partir destes dois modos de vontade, emergem inúmeras outras justaposições,
as quais Hans Boersma prestativamente articulou:
Enquanto
a vontade revelada de Deus é comum (com Deus querendo que todos sigam a sua
lei), a sua vontade secreta diz respeito aos resultados das vidas de indivíduos
específicos. Embora a pregação externa da Palavra se estende a muitos (embora
não a todos), o trabalho interior do Espírito é limitado àqueles que foram
escolhidos desde a eternidade. Embora o chamado externo apenas leve a uma
adoção geral e assim permanece impessoal, a adoção através do dom da fé
significa uma união íntima e mística com Cristo. Finalmente, enquanto a
pregação da vontade revelada de Deus é sempre acompanhada pela exigência de fé,
a vontade eletiva de Deus é incondicional e absolutamente certa, de modo que
todos àqueles a quem foi concedida a graça especial do Espírito de Deus
perseverarão até o fim.
Esta
dicotomia fundamental entre dois modos da vontade de Deus forçou Calvino a
levar em oposição a teleologia que é normativa para um objeto, e a teleologia
que Deus no final das contas quer para ele. Mas eu estou me adiantando e devo
definir meus termos. O telos de algo é o objetivo ou fim último para
o qual ele existe. Então, o telos de um martelo é bater [para fixar]
as coisas na parede, ao passo que o telos de uma semente é ser uma
planta adulta. Agora, o Calvinismo afirma que, com relação à vontade revelada
de Deus, o telos ou objetivo de todo e cada indivíduo inclui a união
eterna com Ele, mas no que diz respeito à Sua vontade secreta,
o telos de certos indivíduos inclui a desunião eterna com Ele. Isto
significa que, para todo aquele que não é salvo, há um telos duplo
(em um sentido, o desejo final de Deus para essas pessoas é a salvação, mas em
outro sentido é a condenação).
Novamente,
o problema que tivemos com este modelo foi mais existencial do que teológico,
embora se possa elaborar bons argumentos teológicos contra ele. O problema
existencial é que, visto que Deus se revela à humanidade nos termos do primeiro
modo (Sua vontade revelada) enquanto se relaciona com a humanidade nos termos
do segundo modo (Sua vontade secreta), uma descontinuidade radical é
estabelecida entre Deus como Ele é e Deus como nós o
experimentamos.
Esta
descontinuidade cria uma série de dificuldades práticas quando se trata de
tentar ter um relacionamento com o Deus Calvinista, pois significa que a nossa
experiência de Deus é fundamentalmente discordante de quem Ele realmente é.
Esta
descontinuidade é diferente de simplesmente dizer (como a tradição do
cristianismo oriental faz) que há um aspecto de Deus que será para sempre
incognoscível para nós (isto é, a essência de Deus que é incognoscível e Suas
energias é que são cognoscíveis, para simplificar ao extremo). Em vez disso, o
Calvinismo diz que podemos e sabemos algumas coisas sobre como Deus é em si
mesmo, e que isso é o oposto de como Ele se revela ser.
Aqui
está um exemplo: todos os calvinistas afirmarão que durante o tempo de
Jeremias, quando as pessoas estavam sacrificando seus filhos à Moloque, isso só
ocorreu porque fazia parte de decretos eternos de Deus. No entanto, o
calvinista também é obrigado a dizer que Deus se revela tão horrorizado com tal
ato que, antropomorficamente falando, Ele pôde declarar que tal coisa nunca
tinha sequer passado pela Sua mente (Jr 19:5; 32:35; 7: 31). Onde isso nos
leva? Isso nos leva a uma descontinuidade constante entre Deus como Ele é em Si
mesmo (isto é, decretando continuamente o mal) e entre o modo pelo qual Deus
acomoda-se a nós (isto é, continuamente não desejando o mal).
Quando
se insiste nessa questão, ela nos leva a problemas existenciais que podem
conduzir uma pessoa à loucura. Os Calvinistas geralmente reconhecem isso, e é
por isso que continuamente nos incitam a separar nosso conhecimento de como
Deus realmente é, do conhecimento de com Deus adapta-se a nós.
Na verdade, os Calvinistas frequentemente dizem-me que não devo tentar
relacionar-me com Deus em termos daquilo que nós sabemos ser verdadeiro quanto
aos seus decretos eternos. Por exemplo, embora saibamos que para cada coisa que
acontece nada poderia finalmente ter sido de outra forma, todavia é preciso
agir como se houvesse um elemento de contingência significativa real.
Novamente, nós sabemos que o telos de muitas pessoas é a desunião eterna com
Deus, mas temos de agir como se o telos de cada pessoa fosse a união eterna com
Ele. Outra vez, nós sabemos que Deus não ama realmente cada pessoa, mas temos
de agir como se a afirmação “Ele é um Deus bom e ama a humanidade” se aplicasse
a todos. E assim por diante.
Assim,
o Calvinismo nos obriga a constantemente suspender a crença, a fim de ter um
relacionamento com Deus. Isto é especialmente verdadeiro quando nos aproximamos
de versos como Efésios 5:1 e Mateus 5:48 sobre ser imitadores de Deus. Um
calvinista acredita que seria desastroso imitar a Deus como Ele realmente é, e
exorta-nos a somente imitá-Lo naquilo que Ele acomoda-se a nós.
Novamente,
isto não seria um problema se os calvinistas estivessem contentes em dizer que
é um mistério o modo como Deus é. O problema surge precisamente porque o
Calvinista tem a pretensão de saber sobre a chamada “vontade secreta” de Deus,
que às vezes é oposta aos modos pelos quais Deus acomoda-se a nós.
Desta
forma, o que o Calvinismo ensina sobre Deus é radicalmente discordante da nossa
experiência Dele, e um calvinista pode ter um relacionamento significativo com
o Senhor somente suspendendo sua crença.
Por
Robin Phillips
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Tradução:
Samuel Coutinho
Fonte: http://orthodoxyandheterodoxy.org/2014/01/21/why-i-stopped-being-a-calvinist-part-3-calvinism-dislocates-god-from-our-experience-of-him/
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